Ticker

10/recent/ticker-posts

Inclusão: O Silêncio que espera voz no Estado da Nação - Adão Ramos

Eu não sei se o discurso sobre o Estado da Nação falará das pessoas com deficiência, se apenas as mencionará em linhas dispersas, ou se o silêncio continuará a ser a nota dominante de uma realidade que ainda espera por voz.

O que sei é que, em Angola, há mais de um milhão e meio de cidadãs e cidadãos com deficiência - segundo estimativas de organizações da sociedade civil e da Organização Mundial da Saúde -, e, entre eles, um número expressivo continua à margem da escola, do emprego, da saúde, da informação e da participação política.

A Constituição da República de Angola, no seu artigo 83.º, consagra a Protecção das pessoas com deficiência, assegurando-lhes o direito à dignidade humana, à igualdade e à plena participação na sociedade. Este princípio, no entanto, não se concretiza apenas com palavras bonitas, promessas ou menções protocolares. Exige políticas públicas consistentes, orçamentos inclusivos e instituições com acessibilidade universal - física, comunicacional e atitudinal.

A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), ratificada por Angola em 2014, reforça esse compromisso. O seu artigo 9.º fala claramente da acessibilidade como porta de entrada para todos os outros direitos. E o artigo 24.º obriga os Estados a garantir uma educação inclusiva, sem discriminação, com recursos adaptados e professores formados. Estes compromissos não são opcionais; são obrigações internacionais assumidas soberanamente pelo Estado angolano.

Ao mesmo tempo, os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), sobretudo o ODS 4 (educação de qualidade), o ODS 8 (trabalho decente e crescimento económico), o ODS 10 (redução das desigualdades) e o ODS 11 (cidades e comunidades sustentáveis), apontam para uma Agenda 2030 que só será cumprida se ninguém for deixado para trás.

Mas, infelizmente, muitos cidadãos com deficiência continuam a ser deixados para trás, nas ruas sem rampas, nas escolas sem intérpretes de língua gestual, nos hospitais sem equipamentos acessíveis e nos programas televisivos sem legendas ou língua gestual.

Neste contexto, o discurso sobre o Estado da Nação não deveria limitar-se a apresentar números macroeconómicos e grandes obras de betão. Deveria também ser o momento de reafirmar o compromisso com as pessoas que mais enfrentam barreiras visíveis e invisíveis - e, sobretudo, anunciar medidas concretas: um Instituto Nacional de Inclusão e Acessibilidade, com autonomia e dirigido pelas pessoas com deficiência, um fundo de apoio ao empreendedorismo das pessoas com deficiência, um subsídio para as pessoas com deficiência, a inclusão de docentes especializados nas escolas públicas, a nomeação de pessoas com deficiência para cargos de relevância e de decisão, o cumprimento efectivo da Lei n.º 10/16, de 27 de Julho, Lei das Acessibilidade e do Decreto Presidencial n.º 12/16 - Regulamento sobre a Reserva de Vagas e Procedimentos para a Contratacão de Pessoa com Deficiência.

A Federação Angolana das Associações de Pessoas com Deficiência (FAPED) tem sido uma voz persistente neste esforço. Propõe, sensibiliza e colabora, mas precisa que o Estado vá além das intenções e traduza em acção a palavra “inclusão”.


A inclusão não é caridade. É justiça. É desenvolvimento. É o reconhecimento de que uma sociedade só é plenamente democrática quando todas as pessoas têm lugar, voz e oportunidades.

Talvez o Presidente da República, Dr. João Manuel Gonçalves Lourenço, fale disso. Talvez não. Mas, se o futuro é o que construímos com as palavras e os gestos de hoje, então ainda há tempo para que o discurso do Estado da Nação - a ser proferido no próximo dia 15 de Outubro - se transforme numa verdadeira declaração de compromisso com a dignidade humana, toda ela, sem excepções nem silêncios.

Enviar um comentário

0 Comentários