1. Introdução: Angola entre o medo e a esperança... e a paciência infinita
Angola vive há décadas entre o medo e a esperança. Desde 2017, com a saída
de José Eduardo dos Santos e a entrada triunfal de João Lourenço, prometeu-se a
terra prometida: democracia, combate à corrupção e prosperidade. O resultado?
Medo da inflação, esperança de que o próximo discurso resolva tudo, e uma
paciência que já devia estar patenteada como património imaterial.
As eleições de 2017 e 2022 provaram que angolanos não votam só em partidos: votam também no medo de perder o pouco que têm e na esperança de ganhar aquilo que nunca chega. Agora, em 2025, todos olham para 2027 como quem espera o próximo episódio de uma novela que já dura 50 anos.
2. O medo: produto nacional de exportação
O medo em Angola é como o petróleo: está em todo lado, nunca acaba e é
altamente explorado. O MPLA vende medo de instabilidade como quem vende bilhete
para o futuro. A oposição, por sua vez, oferece medo da eternização do sistema,
embrulhado em discursos inflamados.
Na prática, o medo funciona como o melhor cabo eleitoral. Afinal, se há algo que une ricos e pobres, governantes e governados, é o medo: uns de perder o poder, outros de nunca o conquistar.
3. A esperança: o pão que nunca chega à mesa
A esperança em Angola é como o salário mínimo: existe, mas ninguém vive
dela. Em 2017, acreditou-se que o combate à corrupção ia transformar o país.
Resultado? Alguns peixes miúdos foram fritos, mas os tubarões continuam a nadar
tranquilos no oceano do poder.
Em 2022, a UNITA encarnou a esperança dos jovens urbanos. Perdeu com 44%, mas deixou a sensação de que “foi por pouco”. A juventude aplaudiu, mas continuou desempregada. Esperança, afinal, não paga renda nem compra arroz.
4. O medo difuso na era digital: Wi-Fi do pânico
Bauman falava em medo líquido. Em Angola, é medo digital: espalha-se pelo
WhatsApp mais rápido do que fofoca de vizinho. Vídeos falsos, mensagens
alarmistas, teorias da conspiração — tudo misturado para manter o eleitor
nervoso.
O resultado? O cidadão comum vive convencido de que vai perder o emprego, o campo, a liberdade e, se bobear, até os megabytes. A democracia agora mede-se em gigas: quanto mais internet, mais pânico.
5. Autarquias adiadas: a novela interminável
As autarquias são como aquele casamento prometido que nunca acontece. Desde
2017, falam delas. Em 2025, continuam adiadas “por falta de condições”.
Curiosamente, as condições que faltam são sempre as que podem tirar poder ao
partido no poder.
Enquanto isso, Cabo Verde e Senegal consolidam democracia local. Angola consolida desculpas.
6. Greves e tensões sociais: quando o medo se transforma em raiva
2024 trouxe a greve geral. 2025, a greve dos taxistas. Angola nunca tinha
visto tanta paralisação. O governo responde com polícia, gás lacrimogéneo e
discursos sobre “ordem e tranquilidade”.
Na prática, o prato vazio e o candongueiro parado assustam mais do que qualquer discurso político. O povo, que sempre teve medo, começa agora a assustar quem governa.
7. O palco digital: manipulação high-tech com mentalidade analógica
Se em 2017 a televisão ainda mandava, em 2027 o espetáculo é nas redes
sociais. O eleitor recebe memes, bots e vídeos falsos com a mesma intensidade
com que recebe o aumento do preço do combustível: sem pedir.
A diferença é que, no digital, até a mentira vem com filtro de TikTok. E assim a política angolana entra na era da inteligência artificial… só que aplicada à manipulação emocional.
8. O papel do eleitor: entre o pânico e a ingenuidade
Jairo Eisenberg dizia que o problema não é o medo, mas o medo de ter medo.
O eleitor angolano vive esse dilema: tem medo de votar mal, medo de votar bem,
medo de não votar e medo de votar em quem já sabe que não vai cumprir.
Transformar medo em consciência crítica parece bonito no papel. Na prática, o cidadão muitas vezes transforma o medo em silêncio e a esperança em música de campanha.
9. Economia e geopolítica: esperança importada, medo nacionalizado
A economia angolana depende do petróleo como estudante depende da mesada:
quando vem, há festa; quando atrasa, é crise. O Corredor do Lobito, os
investimentos internacionais e o gás natural prometem modernização.
Mas a inflação, a dívida externa e o preço da fuba lembram que o futuro continua hipotecado. Esperança vem do estrangeiro. Medo é produzido localmente.
10. Conclusão: Angola 2027, “tamo juntos” entre o medo e a esperança
As eleições de 2027 prometem ser o grande teste. O medo continuará a ser
vendido em pacotes eleitorais, e a esperança será servida como prato principal
da campanha.
Se tudo correr como sempre, o medo garante votos e a esperança adia
frustrações. A democracia avança aos soluços, enquanto o povo continua no
dilema eterno: acreditar nas promessas ou rir para não chorar.
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