Ticker

10/recent/ticker-posts

Quando os generais discutem munições - Rui Kandove

Por vezes, a política angolana parece mais um teatro de reconciliações adiadas do que um espaço de construção do futuro. Recentemente, as redes sociais assistiram a um episódio que expõe, sem filtros, as fraturas mal saradas da oposição angolana — em particular, da UNITA e dos seus antigos protagonistas.

Abel Chivukuvuku, visivelmente incomodado com as recorrentes insinuações de que a vitalidade do seu projeto político, o PRA-JA Servir Angola, seria alimentada por fundos oriundos do MPLA, decidiu puxar da memória — e do orgulho — para recordar o seu passado: “Criei a CASA com o meu dinheiro e sustentei a UNITA durante algum tempo com fundos próprios.”

A frase, lançada com o tom de quem pretende afirmar independência e coerência, caiu como uma bomba no seio dos antigos companheiros de luta. Paulo Lukamba Gato, ex-secretário-geral da UNITA e também uma figura histórica da resistência armada e política do Galo Negro, não deixou passar a declaração em branco.

A resposta foi certeira, mordaz e carregada de ironia: “Uma coisa é mobilizar fundos próprios para um certo tipo de empreendimentos; outra, bem distinta, é recorrer ao mecenato político.

Agora, afirmar que se sustentou financeiramente a UNITA, ainda que por meras 24 horas, é um feito que nem os mais generosos aliados internacionais conseguiram reivindicar sem reservas.”

Não se trata apenas de uma troca de farpas. O episódio é sintomático de um mal maior: a desunião persistente da oposição, marcada por vaidades pessoais, mágoas antigas e disputas por legitimidade. Não esqueçamos que tanto Abel como Gato estiveram no centro do xadrez sucessório após a morte de Jonas Savimbi. Ambos foram preteridos por Isaías Samakuva. Ambos reivindicam o direito de terem sido mais próximos, mais fiéis, mais merecedores.

No tempo do Velho Jonas, cada um foi despachado para o seu destino — Abel por Nova Iorque, como representante externo; Gato pela Europa, nomeadamente na Bélgica. Hoje, ambos empresários, ambos políticos, ambos sobreviventes de um tempo em que a ideologia era carregada às costas, nos ombros e nos bolsos.
Assistimos agora a esta troca de acusações como quem vê dois velhos generais a discutir quem levou mais munições para a última batalha. A pergunta que fica é: e o país, onde entra nisto tudo?

A Frente Patriótica Unida, outrora anunciada como uma resposta estratégica à hegemonia do MPLA, já dava sinais de esfarelamento. Agora, parece enterrada de vez. Não por força de pressões externas, mas por implosão interna. Por egos. Por ressentimentos. Por uma incapacidade crónica de olhar em frente sem tropeçar nas pedras do passado.

A política em Angola continua refém de nomes que não se conseguem libertar uns dos outros — nem do seu próprio legado. E, enquanto isso, o cidadão comum, esse sim, continua a sustentar o país. Não com grandes declarações, mas com pequenos milagres diários de sobrevivência.

Enviar um comentário

0 Comentários