O Comité do Soldado foi uma iniciativa do Alto-Comandante das FALA, General de Exército Jonas Malheiro Savimbi. Representava a voz dos soldados e foi criado com a finalidade de responder com celeridade às preocupações dos homens do gatilho. Para Jonas Savimbi, os soldados estavam no centro da sua atenção. Nas frentes de combate, fazia questão de falar, olhos nos olhos, com os soldados entrincheirados. Na Jamba, visitava regularmente os feridos de guerra. Tinha um respeito muito especial por eles. Ai de quem os maltratasse!
Ele tratava os soldados das FALA como se seus filhos fossem. Não permitia qualquer tipo de humilhação aos soldados. Se calhar, é por isso que, mesmo depois da sua morte em combate, boa parte dos ex-militares das extintas FALA o respeita e não permite que seja destratado. Até hoje, muitos o tratam como se ainda estivesse em vida.
Foi o que constatei há dias, ao presenciar um episódio
em que um ex-militar narrava as peripécias por que passou depois de abandonarem
Luanda a tiro, em 1992. Visivelmente emocionado, lembrava-se do momento em que
recebeu ordens para destruir alguma documentação no Miramar, como era chamada a
residência oficial do Dr. Savimbi em Luanda. A dado momento da conversa,
pediu-me desculpa e levantou-se da sua cadeira, em sinal de respeito, para não
pronunciar o nome do Dr. Savimbi sentado. A postura deste ex-guerrilheiro,
Hildebrando Solunga, que integrava a equipa das telecomunicações do
Alto-Comandante, a DIVITAC, ilustra muito bem o que Jonas Savimbi representava
para cada um dos soldados, e não só.
Para tentar saber um pouco mais sobre o Comité do Soldado, liguei ao
Brigadeiro Mwalupassa, que também já foi eleito por dois mandatos consecutivos
como chefe do Comité do Soldado da DIVITAC, na altura com a patente de alferes.
Contou-me que em cada unidade militar havia o Comité do Soldado. O seu corpo
directivo era eleito democraticamente pelos seus membros. O regulamento previa
que os candidatos à direcção deveriam ter uma patente não superior à de
alferes, e apenas os soldados, aspirantes e alferes podiam participar na
votação da eleição do corpo directivo. Os dirigentes eleitos tinham como missão
identificar problemas, receber reclamações e encaminhá-las às chefias. Quando
estas não as resolviam, os casos podiam chegar directamente à mesa do
Alto-Comandante. (Não sei se as FAA têm um órgão equiparado.)
Essa forma de organização humanizava as relações entre os comandantes e
subordinados, e reforçava o sentimento de irmandade entre os guerrilheiros. Por
exemplo, no tocante a forma de tratamento, os superiores hierárquicos eram
tratados por mais-velho ou sekulu; e por maninho (mano-mais-novo), os
inferiores hierárquicos. Essa era a linguagem dos militares. Já para nós, na
altura estudantes, os militares eram simplesmente tratados por: os manos das
FALA. Na verdade, era um convívio muito salutar. Não sei se era por causa do
sofrimento, mas as pessoas eram solidárias e tratadas com dignidade.
Provavelmente, é por essa razão que, quando chegasse o momento de consentir
sacrifícios, ninguém hesitava. Os soldados entendiam perfeitamente a missão que
lhes estava reservada. Era um orgulho lutar pela Pátria. E, para demonstrar esse
sentimento, entoavam a canção de guerra de Kapalandanda: “ilo ofeka yokuloya,
kaloyele atunde mo...”. Também gostavam de dizer: hise okufa, etombo livala!
(resumindo, em português: “Kapalandanda chorou pela sua terra e disse: esta é
uma terra de luta; quem não quiser lutar, que se vá embora...” e “é preferível
morrer do que ser desprezado”).
Com esse historial de luta e dedicação, é incompreensível que alguns
oficiais das extintas FALA sintam vergonha do seu passado e evitem
identificar-se com os seus antigos companheiros, fingindo nunca os terem
conhecido. Alguns até preferem ser confundidos como se fossem militares das
extintas FAPLA. Talvez, se o desfecho fosse outro, tivessem outra postura.
Infelizmente, perdemos a guerra, mas ganhámos a democracia.
É certo que, terminada a guerra, cada um adoptou as suas convicções
políticas. É legítimo. Vivemos em democracia. Porém, negar o passado é o mesmo
que negar a si mesmo, e a maior vergonha que pode recair sobre um militar é a
perda da dignidade.
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