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A dor incompreendida de Beatriz Franck - Sousa Jamba

Beatriz Frank (empreendedora de moda, figura mediática e fundadora da marca Shadow) é hoje alvo de incompreensão pública que diz mais sobre os nossos preconceitos do que sobre ela.

A sua dor aberta pela morte do cão Lovit, a quem se referia como substituto de marido e de família após o divórcio, gerou escárnio, insultos e leituras supersticiosas nas redes sociais angolanas. A sua reacção, um desabafo furioso e repleto de palavrões, transformou-se num espetáculo digital.

Mas seria um erro reduzir este episódio a uma afronta aos valores familiares ou a uma vaidade excêntrica. O que Beatriz Frank expressa é a dor de quem já perdeu muito antes de perder o seu cão: o amor conjugal, a intimidade familiar e o consolo da presença humana.

Em Angola, a pessoa carrega consigo um nome, uma linhagem, uma comunidade. Ao afirmar que Lovit era o seu “marido e família”, Frank pareceu romper com o ideal sagrado de laços extensos. E essa ruptura foi lida à luz de declarações anteriores que chocaram o senso comum: a rejeição de homens com empregos convencionais, a ostentação de perucas de cinco mil dólares, o orgulho em viajar sempre em primeira classe.

Para muitos, parecia incongruente que uma mulher tão afirmada, tão publicamente independente, encontrasse consolo num cão!

Mas essa contradição é precisamente o que revela a sua verdade humana. Por trás da bravura pública está uma mulher profundamente só. Divorciada, à frente de um império que emprega 120 pessoas numa fábrica de têxteis, Beatriz Frank encontrou em Lovit o único companheiro que lhe oferecia afeto sem exigências, amor sem julgamentos. E não está sozinha. A sua dor é um espelho da realidade de milhares de mulheres angolanas. A sociedade ignora ou desvaloriza o papel da intimidade como cimento relacional.

O escárnio digital a que Frank foi sujeita — risos, insultos, insinuações de feitiçaria — revela a crueldade das redes sociais e o nosso desconforto com as emoções femininas quando expressas fora dos moldes esperados. A frase “o meu Lovit era o meu pai, meu filho, minha mãe” foi tomada por arrogância. Mas não será antes o lamento de alguém profundamente ferido? As plataformas digitais transformam tudo em espetáculo: o guarda-roupa exclusivo da marca Shadow é tratado como vaidade, os seus feitos empresariais são ignorados, e o seu luto, desumanizado.

A verdade é que Beatriz Frank se insere numa contradição desconfortável para o imaginário colectivo: a mulher que disse que nunca casaria com um homem assalariado revela agora uma carência afetiva que nem os seus recursos conseguem preencher. Os seus bilhetes de primeira classe e perucas caras são troféus de uma luta contra a pobreza, mas não são escudos contra a solidão.

Lovit foi esse escudo. Zombar dela por isso é negar a universalidade da necessidade de companhia.

Beatriz Frank pediu apoio a quem a ama, e muitos certamente lhe darão. Mas a reacção pública geral (entre o escárnio, o moralismo e a superstição) traduz uma falta de empatia para com uma mulher que, goste-se ou não da sua persona, tem uma marca inegável na economia criativa e na emancipação feminina em Angola. Criou empregos, inspirou jovens empreendedoras, rompeu barreiras. E, no entanto, bastou uma emoção descontrolada para que se esquecesse tudo isso.

Como angolanos, e também como africanos, orgulhamo-nos do sentido comunitário, da capacidade de nos abraçarmos na dor. Se é verdade que o Ocidente que nos influencia valoriza a imagem, os bens de luxo, o sucesso individual, então importa lembrar que a nossa força está na ligação humana, na escuta, na solidariedade.

Beatriz Frank não traiu os valores da família. Ela expôs, com crueza, a ausência da família que a vida lhe negou. A sua dor não é estranha; é partilhada, apenas dita em voz alta. Que saibamos ouvi-la. Porque, por detrás da mulher de sucesso, há uma pessoa como qualquer outra—frágil, cansada, e em busca do que todos procuramos: pertença, compreensão, amor.

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