«Se não estivermos em paz connosco mesmos, não podemos guiar os outros na busca pela paz». Confúcio. Ao comemorarmos mais um ano desde que a paz passou a fazer parte do status quo dos angolanos (refira-se ao calar das armas e longe da paz social) e a continuidade dos celeumas a volta da sua real contribuição para o bem-estar de todos nós, enquanto colectividade humana, sentimo-nos chamados pelo dever cívico a exteriorizarmos algumas linhas-ideias, dado o facto de que ela, é por excelência uma conquista de todos, absolutamente todos, desde políticos, partidários, apartidários, igreja, sociedade civil, anónimos e não só, foram todos importantes para o alcance de tão grande desiderato “PAZ”.
Desta feita, não seria pedagógico ou mais compreensivo em relação a ideia
de paz, se não adentrássemos na análise conceitual da paz, ainda que breve, mas
necessária para uma maior e facilitada acepção ou entendimento das linhas que
lhe daremos a conhecer. Definida por muitos anos de uma forma minimalista e
circunscrita, a paz foi concebida como a condição de não guerra ou violência,
embora sua etimologia nos remeta de forma lacónica para tal conceitualização,
uma vez que a palavra paz do latim pax ou pacem significa literalmente o acordo
de cessação de hostilidades bem como a ausência de guerra, estado de
tranquilidade.
Tendo por base o excerto acima, entende-se que a paz é uma condição
primária para o desenvolvimento social e a garantia efectiva para a construção
de sonhos e horizontes de uma vida feliz, na cidade pacificada, onde os
cidadãos desfrutam de um conjunto de direitos e gozam do usufruto das suas
condições de membros partícipes da arquitectura de paz, uma espécie de busca
pela felicidadania, segundo Moisés Candumbo “a cidade como condição da
efectivação da felicidade do indivíduo, por via da abertura para o alcance do
sentimento de pertença a ela e por ela ligado”.
Assim sendo, Angola enquanto país, nasceu com as suas particularidades, com
os seus problemas de entendimento político e de afirmação da autoridade e
legitimidade política, que moveu uma crispação intensiva dos seus filhos, que
nos seus contextos, idealizaram a Angola que se podia erguer, não havendo
consenso ideológico nasceu a luta pelo protagonismo e com isso, a guerra civil
que perdurou por muitos anos.
Remetendo filhos ligados umbilicalmente, mas separados fisicamente e no
ideário de país, daí a competição que nada fez senão arrastar irmãos que mesmo
desconhecendo o cerne do conflito deram-se aos seus mais próximos e juntos
conceberam organizações que nada faziam para além de tirar a condição de tranquilidade
da maioria e o progresso destes, dado o facto de pertencerem no sentimento e na
nascença ao mesmo país.
Julgamos ter sido erro de cálculo e ingénua luta por aquilo que a todos
pertencia, o nosso território e as suas bênçãos, a glória foi desde os
primórdios, uma das grandes razões das disputas na humanidade, assim o afirmou
Francis Fukuyama em as origens da ordem política, embora acreditamos ser o
conflito angolano, motivado mais por busca de protagonismo, afirmação de
classes que se sentiam donas legítimas do país e de uma pretensão não explícita
de assaltar suas riquezas, que em abono da verdade, diga-se: a todos pertenciam
e continuam a pertencer; foi também uma busca por hegemonia étnica, ainda que
isto alimente muitas discussões.
Na ausência da estupidez a guerra não seria possível, assim defendeu um
académico, pelo que, nós consideramos ter sido a guerra um mal que para além de
ceifar vidas, destruiu sonhos, cortou horizontes, separou-nos a todos, fez-nos
refém de ideais enganadores e mais do que isso, regrediu as conquistas que o
pouco de desenvolvimento o colonialismo permitiu, embora numa certa exclusão e
desequilíbrio entre as várias regiões que compõem este enormíssimo e belo país.
Passados mais do que vinte e sete anos, a paz armada foi possível,
repare-se que a paz conquistada foi literalmente negativa, por limitar-se ao
simples calar das armas, a ausência óbvia de guerra, mas muito longe da
compreensão moderna da paz, aquela surgida a posterior, que veio a acrescer a
lógica do desenvolvimento, da reconciliação, da estável condição espiritual, da
efectivação dos direitos mais básicos dos cidadão, da tolerância como mecanismo
de sociabilidade, da inclusão, da busca por desideratos comuns, da construção e
exequibilidade de um ideário comum e não na limitação de uma comunidade
imaginada.
Esta paz que promoveria a segurança humana, a defesa colectiva dos nossos
interesses e o perdão que em vez de aceitar que todos cometemos, promove os
pequenos anjos, que mesmo na infalibilidade humana, negam terem sido cúmplices
da guerra e da não paz, não é paz, é uma ideia de paz.
Desta forma, não podemos construir a paz na lógica da exclusão, pelo que ao
celebrarmos mais um dia da conquista da paz e no âmbito dos cinquenta anos da
independência nacional a ser comemorado em Novembro, não podemos nos esquecer
daqueles que mesmo na inocência e impávidos diante dos acontecimentos, deram-se
a luta, ainda que do outro lado estivesse um irmão.
A paz não foi uma conquista de alguns, daí que não nos esqueçamos dos outros,
muitos outros, cujas mãos também contribuíram para a paz. Desde a igreja que
com os seus congressos para a paz “ PRO PACEM”, da sociedade civil composta por
muitos angolanos que se ofereceram com ideias, programas e marchas de
solidariedade aos seus, iam apelando para a paz em Angola, não podemos na
condição do quem vai esfatiar o bolo, esquartejá-lo para alguns e esquecendo ou
relegando os outros que de outros nada têm, por simplesmente serem patriotas e
terem feito parte ou contribuído para a paz, embora muitos limitados no seu
contexto, ainda assim doaram-se e foram fundamentais para que a paz fosse
possível.
A ideia da condecoração é fantástica, existem sim, angolanos de toda faixa,
etnia, condição social e de vária índole que contribuíram para a paz e o
desenvolvimento de Angola, embora o desenvolvimento continue sendo um calcanhar
de Aquiles no nosso dia-a-dia, contanto que os dados ou índices internacionais
relativos ao desenvolvimento, a segurança alimentar, a atracção do turismo, o
da percepção da corrupção, o de países felizes, nos remetem para uma reflexão
honesta e sincera sobre o que deve ser feito, com urgência e veemência.
Há um entendimento filosófico, de que não existe caminho para a paz, sendo
que, a paz é o caminho, que façamos juntos o caminho para a paz…! Como podemos
fazer isso? Obviamente que precisamos de olharmo-nos nos olhos e compreendermos
que a Angola que temos é a única terra para nós, o único lugar onde podemos ser
felizes todos, mas para tal, que sejamos tomados pelo sentimento de que juntos
podemos, excluindo a ideia de que ela é património de alguns, extinguindo a
intolerância, abraçar olhando no olho de quem espera por abraço a anos e
perdoarmo-nos de facto.
Não adiemos o sonho de fazer Angola para todos, com todos e por todos, não
nos enganemos e confiemos numa lógica de quem apenas olha para o sapato sujo e
ainda diga que está limpo, por se tratar do chefe, façamos as melhores
escolhas, definamos o caminho para a paz social, que conferirá desenvolvimento,
proporcionará inclusão, alimentará o nosso bem-estar e fará de todos nós um
sociedade próspera e de progresso, tal qual apregoa a nossa constituição no seu
preâmbulo.
Todavia, que não nos esqueçamos de nós, porque a paz também têm as nossas
mãos…este nós é a representação de muitos angolanos que não comungando ideias
do partido que governa o país, não deixam de ser angolanos, não podem subverter
suas histórias de entrega e abnegação para o alcance da paz em Angola, que na
ausência do pluralismo, no adiamento do verdadeiro perdão, na exclusão social e
na desigualdade, são esquecidos e colocados na condição de cidadãos comuns, ao
procedermos de tal modo, estamos a adiar a paz verdadeira, aquela que não tem
cor, nem nome, que apenas é sentida na visita aos hospitais, no contacto com a
escola, na acção da justiça, na mesa de quem chega a casa cansado, nos olhos da
criança que em vez de chorar ao pai apensa lhe agradece, no policia que ostenta
uma farda sempre digna, no médico que sente em sua mãos o verdadeiro milagreiro
pessoal, no juiz que sedado opta pela justiça, no professor que tem no aluno o
seu maio tesouro, no governante que não desfila na rapidez, mas faz-se caminhar
entre as multidões, no presidente que beija e sente o pulsar o coração de quem
lhe confiou a responsabilidade de cuidar dos seus destinos, enfim, no cidadão
que deixa o viva para erguer pontes e fazer do seu ofício o critério único de
sua salvação e realização socio-profissional. E dessa paz que a muito
esperamos…!
Que juntos lutemos para que a celebração dos vinte e três anos de paz em
Angola, não se esqueça de nós, porque também as nossas mãos contribuíram para a
paz….
E que celebremos de forma reflectida o dia da paz, para que a paz no
horizonte temporal a definirmos já, seja mesmo a paz social, que não promove
pobreza e não oferece fome aos seus! vivamos todos a paz nos nossos dias,
porque se não estivermos em paz connosco mesmos, não podemos guiar os outros na
busca pela paz.
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