Ticker

10/recent/ticker-posts

Não se esqueçam de nós, a paz também tem as nossas mãos - Gilson Salussi

 «Se não estivermos em paz connosco mesmos, não podemos guiar os outros na busca pela paz». Confúcio. Ao comemorarmos mais um ano desde que a paz passou a fazer parte do status quo dos angolanos (refira-se ao calar das armas e longe da paz social) e a continuidade dos celeumas a volta da sua real contribuição para o bem-estar de todos nós, enquanto colectividade humana, sentimo-nos chamados pelo dever cívico a exteriorizarmos algumas linhas-ideias, dado o facto de que ela, é por excelência uma conquista de todos, absolutamente todos, desde políticos, partidários, apartidários, igreja, sociedade civil, anónimos e não só, foram todos importantes para o alcance de tão grande desiderato “PAZ”.

Desta feita, não seria pedagógico ou mais compreensivo em relação a ideia de paz, se não adentrássemos na análise conceitual da paz, ainda que breve, mas necessária para uma maior e facilitada acepção ou entendimento das linhas que lhe daremos a conhecer. Definida por muitos anos de uma forma minimalista e circunscrita, a paz foi concebida como a condição de não guerra ou violência, embora sua etimologia nos remeta de forma lacónica para tal conceitualização, uma vez que a palavra paz do latim pax ou pacem significa literalmente o acordo de cessação de hostilidades bem como a ausência de guerra, estado de tranquilidade.

Tendo por base o excerto acima, entende-se que a paz é uma condição primária para o desenvolvimento social e a garantia efectiva para a construção de sonhos e horizontes de uma vida feliz, na cidade pacificada, onde os cidadãos desfrutam de um conjunto de direitos e gozam do usufruto das suas condições de membros partícipes da arquitectura de paz, uma espécie de busca pela felicidadania, segundo Moisés Candumbo “a cidade como condição da efectivação da felicidade do indivíduo, por via da abertura para o alcance do sentimento de pertença a ela e por ela ligado”.

Assim sendo, Angola enquanto país, nasceu com as suas particularidades, com os seus problemas de entendimento político e de afirmação da autoridade e legitimidade política, que moveu uma crispação intensiva dos seus filhos, que nos seus contextos, idealizaram a Angola que se podia erguer, não havendo consenso ideológico nasceu a luta pelo protagonismo e com isso, a guerra civil que perdurou por muitos anos.

Remetendo filhos ligados umbilicalmente, mas separados fisicamente e no ideário de país, daí a competição que nada fez senão arrastar irmãos que mesmo desconhecendo o cerne do conflito deram-se aos seus mais próximos e juntos conceberam organizações que nada faziam para além de tirar a condição de tranquilidade da maioria e o progresso destes, dado o facto de pertencerem no sentimento e na nascença ao mesmo país.

Julgamos ter sido erro de cálculo e ingénua luta por aquilo que a todos pertencia, o nosso território e as suas bênçãos, a glória foi desde os primórdios, uma das grandes razões das disputas na humanidade, assim o afirmou Francis Fukuyama em as origens da ordem política, embora acreditamos ser o conflito angolano, motivado mais por busca de protagonismo, afirmação de classes que se sentiam donas legítimas do país e de uma pretensão não explícita de assaltar suas riquezas, que em abono da verdade, diga-se: a todos pertenciam e continuam a pertencer; foi também uma busca por hegemonia étnica, ainda que isto alimente muitas discussões.

Na ausência da estupidez a guerra não seria possível, assim defendeu um académico, pelo que, nós consideramos ter sido a guerra um mal que para além de ceifar vidas, destruiu sonhos, cortou horizontes, separou-nos a todos, fez-nos refém de ideais enganadores e mais do que isso, regrediu as conquistas que o pouco de desenvolvimento o colonialismo permitiu, embora numa certa exclusão e desequilíbrio entre as várias regiões que compõem este enormíssimo e belo país.

Passados mais do que vinte e sete anos, a paz armada foi possível, repare-se que a paz conquistada foi literalmente negativa, por limitar-se ao simples calar das armas, a ausência óbvia de guerra, mas muito longe da compreensão moderna da paz, aquela surgida a posterior, que veio a acrescer a lógica do desenvolvimento, da reconciliação, da estável condição espiritual, da efectivação dos direitos mais básicos dos cidadão, da tolerância como mecanismo de sociabilidade, da inclusão, da busca por desideratos comuns, da construção e exequibilidade de um ideário comum e não na limitação de uma comunidade imaginada.

Esta paz que promoveria a segurança humana, a defesa colectiva dos nossos interesses e o perdão que em vez de aceitar que todos cometemos, promove os pequenos anjos, que mesmo na infalibilidade humana, negam terem sido cúmplices da guerra e da não paz, não é paz, é uma ideia de paz.

Desta forma, não podemos construir a paz na lógica da exclusão, pelo que ao celebrarmos mais um dia da conquista da paz e no âmbito dos cinquenta anos da independência nacional a ser comemorado em Novembro, não podemos nos esquecer daqueles que mesmo na inocência e impávidos diante dos acontecimentos, deram-se a luta, ainda que do outro lado estivesse um irmão.

A paz não foi uma conquista de alguns, daí que não nos esqueçamos dos outros, muitos outros, cujas mãos também contribuíram para a paz. Desde a igreja que com os seus congressos para a paz “ PRO PACEM”, da sociedade civil composta por muitos angolanos que se ofereceram com ideias, programas e marchas de solidariedade aos seus, iam apelando para a paz em Angola, não podemos na condição do quem vai esfatiar o bolo, esquartejá-lo para alguns e esquecendo ou relegando os outros que de outros nada têm, por simplesmente serem patriotas e terem feito parte ou contribuído para a paz, embora muitos limitados no seu contexto, ainda assim doaram-se e foram fundamentais para que a paz fosse possível.

A ideia da condecoração é fantástica, existem sim, angolanos de toda faixa, etnia, condição social e de vária índole que contribuíram para a paz e o desenvolvimento de Angola, embora o desenvolvimento continue sendo um calcanhar de Aquiles no nosso dia-a-dia, contanto que os dados ou índices internacionais relativos ao desenvolvimento, a segurança alimentar, a atracção do turismo, o da percepção da corrupção, o de países felizes, nos remetem para uma reflexão honesta e sincera sobre o que deve ser feito, com urgência e veemência.

Há um entendimento filosófico, de que não existe caminho para a paz, sendo que, a paz é o caminho, que façamos juntos o caminho para a paz…! Como podemos fazer isso? Obviamente que precisamos de olharmo-nos nos olhos e compreendermos que a Angola que temos é a única terra para nós, o único lugar onde podemos ser felizes todos, mas para tal, que sejamos tomados pelo sentimento de que juntos podemos, excluindo a ideia de que ela é património de alguns, extinguindo a intolerância, abraçar olhando no olho de quem espera por abraço a anos e perdoarmo-nos de facto.

Não adiemos o sonho de fazer Angola para todos, com todos e por todos, não nos enganemos e confiemos numa lógica de quem apenas olha para o sapato sujo e ainda diga que está limpo, por se tratar do chefe, façamos as melhores escolhas, definamos o caminho para a paz social, que conferirá desenvolvimento, proporcionará inclusão, alimentará o nosso bem-estar e fará de todos nós um sociedade próspera e de progresso, tal qual apregoa a nossa constituição no seu preâmbulo.

Todavia, que não nos esqueçamos de nós, porque a paz também têm as nossas mãos…este nós é a representação de muitos angolanos que não comungando ideias do partido que governa o país, não deixam de ser angolanos, não podem subverter suas histórias de entrega e abnegação para o alcance da paz em Angola, que na ausência do pluralismo, no adiamento do verdadeiro perdão, na exclusão social e na desigualdade, são esquecidos e colocados na condição de cidadãos comuns, ao procedermos de tal modo, estamos a adiar a paz verdadeira, aquela que não tem cor, nem nome, que apenas é sentida na visita aos hospitais, no contacto com a escola, na acção da justiça, na mesa de quem chega a casa cansado, nos olhos da criança que em vez de chorar ao pai apensa lhe agradece, no policia que ostenta uma farda sempre digna, no médico que sente em sua mãos o verdadeiro milagreiro pessoal, no juiz que sedado opta pela justiça, no professor que tem no aluno o seu maio tesouro, no governante que não desfila na rapidez, mas faz-se caminhar entre as multidões, no presidente que beija e sente o pulsar o coração de quem lhe confiou a responsabilidade de cuidar dos seus destinos, enfim, no cidadão que deixa o viva para erguer pontes e fazer do seu ofício o critério único de sua salvação e realização socio-profissional. E dessa paz que a muito esperamos…!

Que juntos lutemos para que a celebração dos vinte e três anos de paz em Angola, não se esqueça de nós, porque também as nossas mãos contribuíram para a paz….

E que celebremos de forma reflectida o dia da paz, para que a paz no horizonte temporal a definirmos já, seja mesmo a paz social, que não promove pobreza e não oferece fome aos seus! vivamos todos a paz nos nossos dias, porque se não estivermos em paz connosco mesmos, não podemos guiar os outros na busca pela paz.

Enviar um comentário

0 Comentários