O Mercado do Carbono pode ajudar Angola a cumprir as metas climáticas globais, promover a diversificação económica e a redução da pobreza, segundo o presidente da Associação Angolana do Mercado do Carbono, Emanuel Bernardo. Na entrevista ao Jornal de Angola, Emanuel Bernardo esclarece que o Acordo de Paris define este mercado como o mecanismo que permite a redução ou a remoção de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE). “Quem polui mais, paga mais . Quem polui menos, ganha mais”
Para milhões de angolanos, a ideia de uma Associação Angolana
do Mercado do Carbono (AAMC) é desconhecida. De que instituição se trata e
quais os seus objectivos?
Alinhado com os desafios do Plano de Desenvolvimento Nacional
e com a Estratégia de Desenvolvimento de longo prazo, surgiu a Associação
Angolana para o Mercado do Carbono (AAMC), como parceiro do Executivo, criada à
luz do Diário da República de 25 de Janeiro de 2024, III Série- n.º 18. É uma
organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, cujo objectivo se foca em
facilitar e advogar acções que incentivem o desenvolvimento de iniciativas de
redução de emissões de Gases de Efeito de Estufa (GEE), permitindo inscrever o
nosso país no mapa global de sustentabilidade, em conformidade com as metas
climáticas.
Que outros objectivos específicos pretende alcançar?
Estamos a dinamizar e a promover soluções baseadas na
natureza. Temos, no Mercado do Carbono, o instrumento para atrair
financiamentos, a fim de enfrentar a crise climática, gerando oportunidades nas
comunidades, por via da comercialização de créditos de carbono e criar melhor
qualidade de vida com a preservação da biodiversidade e dos ecossistemas. Esses
projectos permitem a melhoria reputacional de Angola.
Em palavras simples, o que é um Mercado do Carbono?
Vamos fazer um exercício simples com a seguinte equação:
“Quem polui mais , mais paga. Quem polui menos, ganha mais ”. No Protocolo de
Kyoto e no artigo 6.º do Acordo de Paris, define-se o Mercado do Carbono como o
núcleo das alterações climáticas, pois, é o mecanismo que permite a redução ou
a remoção de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) para a atmosfera. Ou
seja, é atribuir preços (precificar) à poluição. Os maiores poluidores como os
EUA, a China e a India têm necessidades imediatas de compensar as suas emissões
de acordo com as metas assumidas, e isso é feito por via do Mercado do Carbono,
com a implementação de projectos de conservação florestal, reflorestamento,
energias renováveis, biomassa, pasto degradado, entre outros.
Como é que as pessoas podem participar no Mercado de
Créditos do Carbono?
O homem é o principal agressor da natureza e podemos, todos,
actuar no Mercado do Carbono, comprando ou vendendo créditos de carbono para
compensar ou na posição de investidor.
Para quando um Mercado do Carbono em Angola como um
instrumento de política climática e de transição para uma economia de baixo
carbono?
Existem algumas iniciativas de redução de emissão para gerar
créditos de carbono. Temos sectores críticos com necessidades de compensar as
suas emissões, mas é fundamental uma decisão política sobre o melhor caminho e
como materializar essa grande oportunidade, que são os mercados de carbono,
usando as opções existentes ou híbridas para iniciar o nosso sistema nacional
de emissões, garantindo que sejam mensuráveis, auditáveis, relatáveis e
verificáveis. A AAMC e os seus parceiros, com destaque para a Universidade
Agostinho Neto (Faculdade de Direito) e a empresa Verra Standard, apresentaram
ao Executivo um roadmap baseado em estudos profundos, com os desafios e
oportunidades para a implementação do mercado, assim como acelerar a acção
climática.
Se já temos no país um Mercado do Carbono estruturado ou
ainda embrionário, qual vai ser a metodologia para estabelecer um valor
monetário às emissões de Gases de Efeito Estufa?
Angola pode estar na liderança desta agenda, ao assumir, este
ano, a presidência da União Africana. Podemos criar uma plataforma africana,
pois temos condições objectivas para ter um Mercado do Carbono, quer seja
voluntário ou regulado, que nos ajude a cumprir as metas climáticas globais,
que promova a diversificação económica e a redução da pobreza. Os créditos de
carbono gerados são commodities (produtos de origem agropecuária ou de
extracção mineral) transaccionáveis internamente e externamente, e nós temos
grandes potencialidades.
O que são créditos de carbono e como se geram?
É um conceito que tem mais de 27 anos. Surgiu a partir do
Protocolo de Kyoto, em 1997, que visa à diminuição dos Gases de Efeito Estufa.
São certificados que representam a redução ou remoção de uma tonelada de
dióxido de carbono na atmosfera. Trata-se de uma das ferramentas para reduzir o
aquecimento global em até 1,5 Graus Célsios, meta estipulada no Acordo de
Paris, em 2015, para ser alcançada até 2050. Sendo assim, com uma tonelada não
emitida gera-se um crédito de carbono.
Se não temos ainda um quadro legal e material que permita determinar um limite máximo de emissões e distribuir os direitos de emissão entre as empresas, não acha muito cedo avançarmos com um Mercado do Carbono propriamente dito?
Angola é signatária do Acordo de Paris. Internamente, temos
desenhada a Estratégia Nacional de Alterações Climáticas e, nos últimos anos, a
sua participação nas Conferências das Partes (COP) tem sido regular, sendo que
os compromissos com a crise climática são globais. A Agenda nos leva até 2050,
precisamos de acelerar a acção climática, com a implementação de projectos de
redução de emissão de GEE. Estamos próximo do período intermédio e devemos
reflectir sobre o cumprimento das nossas metas.
Qual é a situação do continente africano?
A “fotografia” de África reflecte um forte compromisso da
maioria dos Estados, por se tratar de uma oportunidade para a mobilização de
financiamento. O Brasil apenas aprovou a legislação recentemente, Portugal idem
e mais de 80 por cento dos países africanos não tem uma legislação voltada ao
Mercado do Carbono. O Mercado do Carbono é o instrumento mais potente para a
democratização da riqueza.
Sendo Angola um país com poucas emissões, apresenta-se
como um mercado de carbono com oportunidade de ganhar dinheiro e diversificar a
economia. Como é que isso se processaria?
O Corredor do Lobito é um exemplo concreto onde, durante a
cimeira de Dezembro último, ficou expresso o compromisso com iniciativas de
baixo carbono, práticas sustentáveis e com a nossa cadeia de valor definida
poderá gerar créditos de carbono, proporcionando receitas adicionais. Angola
tem condições objectivas como a estabilidade política, território vasto, solos
aráveis e abertura diplomática para criar um mercado de créditos de carbono
robusto, que permitirá diversificar exportações, criar acesso a novos mercados
e estimular práticas sustentáveis na indústria e na agricultura. Os maiores
poluidores do mundo (EUA, China, India e Alemanha) são países que têm boas
relações com Angola. Essas nações precisam de compensar as suas emissões para
não comprometer as metas climáticas assumidas por eles e tal só será possível
por via de projectos de conservação florestal, energias renováveis, biomassa e
reflorestação. O Mercado do Carbono é um instrumento que permite a mobilização
de financiamento e investimento directo estrangeiro e, por via do Corredor do
Lobito, pode ser uma grande oportunidade.
A Associação Angolana de Mercado do Carbono é uma organização que visa dinamizar o mercado de carbono e incentivar empreendimentos que valorizem a rentabilidade a partir de iniciativas benéficas ao meio ambiente. Como é que pretende alcançar isso?
Temos parceiros e associados com exposição em bolsas
internacionais com boa reputação e históricos disponíveis para começarem as
suas iniciativas, os estudos de viabilidade, análise sensorial das áreas
identificadas no interior de Angola concluídos, assim como a sua capacidade
financeira demostrada para dar início aos projectos de conservação florestal,
reflorestação e mitigação de fogos, com um volume de investimento global no
valor de USD 1.000.000.000,00 (um bilião de dólares), em sete anos, o que
possibilitará a criação de cerca de três mil postos de trabalho. Em cada uma
das iniciativas, deverão ser gerados créditos de carbono em benefício directo
da comunidade. Neste momento, estamos a trabalhar com a petrolífera Total
Energies para o diagnóstico e exploração de potencialidades, para fazer
investimentos e gerar créditos de carbono. O compromisso com iniciativas de
baixo carbono e práticas sustentáveis, bem como a nossa cadeia de valor definida,
poderão gerar créditos de carbono, proporcionando receitas adicionais.
Que medidas deveriam ser tomadas para colocar Angola na senda
da sustentabilidade?
Promover a criação de uma cultura de sustentabilidade,
auxiliarmos em acções de capacitação, desenho de uma estratégia de
sustentabilidade e programa de descarbonização, bem como promovermos a mudança
de mentalidades. É preciso, também, elevar o nosso sector Ambiental ao patamar
necessário para fazer face aos desafios actuais. Não podemos ter um ministério
“pobre”, porque todos percebemos que a crise climática é real, temos visto a
seca no Cunene, a “morte” das nossas florestas tropicais e altas temperaturas,
pelo que precisamos de ajudar com a alfabetização ambiental e capacitação para
as novas “profissões verdes”, com o foco nos jovens e suporte a soluções
tecnológicas. Ambiente é transversal a todos os sectores, não é filantropia, é
economia, por ser um dos sectores que mais pode contribuir com arrecadação de
receitas para o Orçamento Geral do Estado (OGE).
AAMC promoveu um seminário sobre Clima e Carbono, em Luanda,
com a participação de especialistas em sustentabilidade ambiental. Que
resultados obteve?
O Seminário Internacional sobre Clima e Carbono produziu
resultados positivos. Tivemos a oportunidade de construir um Roadmap, com a
visão de vários especialistas nacionais e internacionais, conclusões para a
criação do Mercado de Carbono em Angola e co-suporte de projectos-pilotos,
prontos a serem implementados, dependendo da decisão governamental. Este ano
vamos realizar o “Angola Climate Action Summit 50 anos: Vivemos uma década
decisiva para a acção climática e para a concretização da Agenda 2030”, onde
vamos reunir líderes empresariais, empresários, académicos, especialistas,
decisores políticos, ONG e organizações multilaterais, para discutir as
oportunidades e responsabilidades de Angola, que se deverá posicionar na
liderança de um quadro de redução de emissões a longo prazo.
O problema do aquecimento global e das alterações climáticas resolve-se somente com os países com mais emissões em pagar ou ressarcir os países com menos emissões?
Não! Todos devemos contribuir. É uma agenda global para ricos
e pobres, sendo que os maiores desafios são para aqueles países pobres com
muitas vulnerabilidades. Angola tem um grande potencial de implementação do
artigo 6.º do Acordo de Paris e pode estar na liderança de África para o
Mercado Global de Créditos de Carbono, permitindo transacções internacionais de
redução de emissões entre países e organizações. Quando olhamos para os países
com grandes taxas de emissão de gases para a atmosfera, há uma tendência de
olhar os países mais ricos.
Que dizer das queimadas, que existem com larga frequência em
muitos países africanos, incluindo Angola?
Os países ricos têm a maior responsabilidade. Durante a
COP29, Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, realizada em
Novembro, em Baku, Azerbaijão, foi introduzida uma nova meta global de
financiamento climático, com o objectivo de angariar 300 mil milhões de dólares
anuais para os países em desenvolvimento até 2035. A meta inclui fundos
públicos, empréstimos de bancos de desenvolvimento e investimentos privados
mobilizados pelos Governos. As queimadas são um grande risco. O Executivo,
sozinho, dificilmente irá mitigar essa situação, como o manejo dos solos,
sobrevivência das comunidades. A exploração sem fiscalização gera essa
realidade, com as consequências já conhecidas.
E como reduzir as queimadas?
Podemos reduzir as queimadas com a implementação de projectos
com metodologias que geram créditos de carbono e que reduzam o desmatamento
acelerado, criam renda para a comunidade, ao manter árvores em pé, trazer
educação e suporte tecnológico para auxiliar a construção de base de dados e
monitoramento. Isso deve ser feito pelo sector privado e associações. O Estado,
por sua vez, supervisiona e define as regras. Angola é dos poucos países
africanos onde não existem projectos com essas metodologias e com altas taxas
de desflorestamento. Precisamos de criar oportunidades para estimular o sector
privado e mudar o quadro para os próximos 10 anos, sob pena das nossas
florestas tropicais desaparecerem com as árvores nativas.
Não acha que a transição deverá ser faseada na base de
primeira fase, abranger algumas economias mais bem preparadas e, na segunda
fase, a dos países menos desenvolvidos e ainda muito dependentes dos
combustíveis fósseis?
Estamos a viver uma crise climática grave e sem retorno, o
mundo precisa de agir rápido. Os últimos anos foram os mais quentes, a
maior quota será para os países com maiores vulnerabilidades com impactos na
sua sobrevivência. África precisa de uma liderança forte para deixarmos de ser
meros expectadores e passemos à condição de partícipes. Parte da matéria-prima
para a transição energética está em África e precisamos de recursos. Logo,
vamos nos organizar internamente, acelerando a acção climática para a
mobilização de financiamento. Os combustíveis fósseis ainda serão o
“carro-chefe”, só que precisamos de descarbonizar o sector e articular com os
players para adoptarem práticas mais sustentáveis, à semelhança do que essas
multinacionais fazem noutras geografias, e a compensarem as suas emissões
internamente. A transição justa depende apenas de nós.
Para quando a implementação de um Mecanismo de
Desenvolvimento Limpo (MDL) em Angola?
O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo(MDL) vem de Kyoto e,
actualmente, os resultados da COP29 proporcionaram uma combinação de progressos
e desafios, com avanços significativos no financiamento climático, nos mercados
de carbono e nos esforços de adaptação. Os resultados reflectem um
reconhecimento crescente da necessidade de acção colectiva para enfrentar a
crise climática. Em Angola, precisamos de preparar a casa com vista à transição
para a economia sustentável, convertendo-a em verdadeira oportunidade.
Como a AAMC vai ajudar o país no cumprimento das metas
voluntárias de redução de Gases de Efeito Estufa?
Primeiro promovendo o mercado de carbono e a sua cadeia de
valores, garantir a redução de emissões por via das contribuições nacionalmente
determinadas, fortalecendo a capacitação sectorial, preparando as comunidades
locais e internacionalizando a AAMC para o investimento.
Quais são os objectivos imediatos e de longo prazo da AAMC?
Estimular o sector privado a implementar projectos de
reflorestamento, agroflorestais, energias renováveis, suinicultura (ramo que se
dedica à criação racional de suínos) e biomassa, para gerar créditos de carbono
com benefícios directos em cerca de três por cento das populações locais em
cinco anos.
Que considerações finais gostaria de fazer?
Precisamos de decisão política e maior articulação dos
sectores, porque o Mercado de Carbono não significa perca de soberania ou fim
do petróleo. O nosso país precisa de diversificar as fontes de receitas.
Estamos comprometidos em ajudar e sugerimos alguns passos para, primeiro,
começarmos com o mercado voluntário e, posteriormente, implementarmos o mercado
regulado. Pretende-se, com isso, apostar no desenvolvimento de uma Estrutura
Regulatória, políticas de fomento a projectos de redução de emissões, assim
como a criação de arquitectura para atrair financiamento climático. A criação
de Parcerias Público-Privadas (PPP), do Sistema de Monitoramento e Verificação,
de uma Solução Tecnológica de Negociação Nacional e Internacional,
sensibilização e envolvimento da sociedade/comunidades locais e de um Plano
Nacional de Adaptação são, também, soluções para um começo do mercado
voluntário.
Por outro lado, os projectos que geram créditos de carbono
têm longevidade de cinco a oito anos para serem implementados, dependendo da
tipologia e precisam de 20 a 30 anos para estarem consolidados e gerarem o
efeito desejável, assim como para o investidor recuperar o investimento. O
capital natural é complexo e o investidor precisa de ter um ambiente
regulatório que ofereça segurança. Assim sendo, teremos de apelar às
comunidades florestais e trabalhar com elas na sensibilização sobre as
vantagens da preservação da floresta, para o desenvolvimento socioeconómico
destas comunidades. Isto poderá ser possível com o crivo do Governo e das
autoridades tradicionais.
Perfil
Emanuel Maria Augusto Bernardo
Local de nascimento
Malanje
Formação académica
Licenciado em Auditoria pela FE- UAN Pós-graduado em Compliance
Estudos Avançados em Sustentabilidade e Créditos de
Carbono
Concluiu Programa Executivo Exponential ESG na Nova Scholl of
Business & Economics
(Nova SBE)
Experiência de trabalho
Assessor Economico da ministra do Ambiente
Compliance Officer Sector Financeiro
Docente Universitário
Formador em matérias de Compliance, Sustentabilidade &
ESG
Consultor de empresas
Prato preferido
Funje com carne seca e feijão
Cor preferida
Azul
Hobbies
Leitura e Televisão
Lema de vida
Salmo 23
Sonhos
Ver Angola um bom país para se viver, com melhor qualidade de
vida e emprego.
0 Comentários