Nesta reflexão, dos caminhos cruzados da África, gostaria apenas de abordar dois aspetos fundamentais, que fazem parte do contexto da geopolítica mundial. Mas que estão intrinsecamente ligados ao Continente Africano. Como é do conhecimento geral, este Continente Berço viveu momentos dramáticos e passou por diversas etapas catastróficas da escravatura, do tráfico negreiro, das guerras de conquistas e da ocupação, da colonização, da opressão, da alienação cultural, da discriminação racial, da exploração da mão-de-obra barata, da pobreza extrema e da fome. Pouco modificou neste quadro panorâmico.
O primeiro aspecto: Em todas as etapas históricas de
mudanças e de viragens o Continente Africano foi instrumentalizado e apanhado
na encruzilhada sem saber o caminho certo do seu destino. Vejamos, nos momentos
cruciais da transformação humana África foi sempre vítima dos interesses de
outros povos e foi forçada a cumprir as agendas alheias ocultas. Servindo-se de
instrumento, e sendo, ao mesmo tempo, a fonte principal de enriquecimento das
outras Nações do Mundo.
Nesta senda, foi assim durante a evangelização; foi assim na escravatura; foi assim no tráfico negreiro; foi assim nas guerras de conquistas e de ocupação; foi assim na partilha da África; foi assim na colonização, na exploração e na pilhagem das suas riquezas; foi assim na descolonização; e foi assim na guerra fria.
O Movimento Não Alinhado, da década 60, foi um instrumento político das
potências asiáticas que preconizavam afastar os países asiáticos, africanos e
latino-americanos do imperialismo norte-americano, que exercia a hegemonia
política, militar, económica, tecnológica e científica. No fundo, como sabemos,
o Movimento Não Alinhado acabou por desmembrar-se em duas partes, cada uma
alinhada com a União Soviética ou com os Estados Unidos da América. O que quer
dizer que, o Movimento Não Alinhado fracassou nos seus propósitos e na sua
visão estratégica. Rendeu-se finalmente ao capitalismo ocidental e aos valores
democráticos.
O segundo aspecto: Durante este longo percurso (acima referido) da
transformação humana os povos africanos do Sul de Sahara, embora fossem vítimas
da opressão e exploração, eles foram incapazes de tirar lições dos factos
históricos para definir o seu próprio caminho, capaz de conduzi-los ao
desenvolvimento económico, tecnológico e científico. Infelizmente, os Povos
Africanos continuam (até hoje) atolados no pântano do obscurantismo, do atraso
e da dependência económica e tecnológica.
Portanto, nesta nova etapa do advento da Ordem Multipolar, o Continente
Africano ainda não tem o seu próprio caminho. Ele está novamente atrelado pelas
potências asiáticas e pelas potências ocidentais. Estando na condição
neocolonial, em que a opressão e a exploração não estão praticadas apenas pelas
potências estrangeiras, mas sim, pela classe política africana, em detrimento
dos seus próprios povos. Paradoxalmente, o neocolonialismo passa a ser pior que
o colonialismo europeu.
Gostaria de sublinhar que, a Ordem Multipolar está a surgir num contexto muito
diferente do período em que se despontou o Movimento Não Alinhado, na década
sessenta. Naquela época, a União Soviética, a China e a Índia tinham economias
agrárias, com tecnologias rudimentares. Enquanto, na época atual, existe
economias emergentes com tecnologias muito avançadas.
Em certos casos, como da China, ela suplantou as
potências europeias e está em plena competição com os Estados Unidos da
América. A Rússia tornou-se um gigante militar, com armas nucleares de
destruição massiva. Se olhar bem ao cenário mundial, notarás alguns sinais de
equilíbrio no mercado internacional, embora sejam ténues. Nesta referência, a
Europa já está muito preocupada com a capacidade produtiva e tecnológica da
China. Ela tem o domínio sobre o mercado internacional, inclusive na Europa e
nos EUA.
Isso tem estado a obrigar os EUA a adoptar as políticas protecionistas e a tomada de medidas apressadas para conquistar espaços vitais em África, com propósito de estancar a expansão económica chinesa na África Subsaariana. Angola, por exemplo, faz parte dos alvos estratégicos em África, ao longo do oceano atlântico, sobretudo na região do Golfo da Guiné. Este vasto espaço territorial está cheio do petróleo e do gás. O interior do Continente está abençoado de abundantes recursos minerais críticos. O Corredor do Lobito liga o Atlântico ao Oceano Índico atravessando esta região rica em minerais estratégicos. Isso coloca Angola na posição vantajosa na estratégia geopolítica dos EUA, da China e da Rússia.
Neste momento, com a guerra do Médio Oriente, o EUA enfrenta grandes desafios
de insegurança marítima no mediterrâneo, no oceano índico e no oceano pacífico.
Os BRICS estão em expansão nestas regiões, olhando para a África do Sul que
ocupa um espaço estratégico na confluência entre o oceano atlântico e oceano
índico.
Além disso, temos os países membros dos BRICS tais como: Egito, Etiópia, Arábia
Saudita, Irão, Índia, China e Brasil que ocupam posições estratégicas nas vias
marítimas do mediterrâneo, do oceano atlântico, do oceano índico e do oceano
pacífico. Portanto, o EUA olha para Angola como um ponto estratégico de grande
referência ao longo do oceano atlântico para assegurar o Corredor do Lobito
para o escoamento dos recursos minerais aos mercados ocidentais.
No ponto de vista geopolítico, os BRICS PLUS estão igualmente bem posicionados
ao longo do Rio Nilo, cuja bacia hidrográfica abrange dez (10) países
africanos, nomeadamente: Egito, Sudão, Sudão do Sul, Etiópia, Uganda, Ruanda,
Burundi, Quênia, Tanzânia e RDC. Este contexto geopolítico tem implicações
muito grande sobre o posicionamento estratégico dos EUA face à implantação da
China e da Rússia na África Subsaariana.
Na minha análise pessoal, o equilíbrio que surgirá da Ordem Multipolar, que
está a ser desenhada pelos BRICS não libertará o Continente Africano da
dependência económica e da condição de inferioridade. Pois que, a África ainda
não está devidamente industrializada, não existe infraestruturas
transcontinental e não domina as tecnologias avançadas para que ela possa
elevar o seu status quo, conquistar uma posição cimeira dentro dos mecanismos
multilaterais da Ordem Multipolar, que será dominada pela China (BRICS) e pelos
EUA (G-7).
Em função disso, os minérios africanos (críticos) não servirão os interesses
estratégicos do Continente Africano. Pelo contrário, isso vai potenciar as
tecnologias de ponta dos países industrializados, alargando assim o fosso entre
África e outros Continentes. Realisticamente, a África será mantida na condição
subalterna para desempenhar o seu papel histórico de ser um instrumento e uma
forte de matérias primas para o avanço económico, científico e tecnológico das
potências industrializadas.
Não acredito que seja do interesse dos países industrializados potenciar a
industrialização e a modernização da África Subsaariana, sobretudo nas
condições atuais da disputa pelos recursos minerais africanos. A não ser que
nós próprios africanos encontremos as formas mais inteligentes e subtis de
buscar as tecnologias avançadas conforme fizeram os povos asiáticos e árabes.
Eu tenho insistindo nesta questão. Porque nas relações internacionais os
Estados são hipoteticamente iguais e ninguém faz de graça ao outro Estado sem
recompensa e sem acautelar os seus interesses estratégicos.
Por outro lado, a Ordem Democrática, defendida pelo Ocidente, está fortemente
ameaçada. Porque, os interesses económicos dos países ocidentais têm
prevalência sobre os valores e princípios democráticos. O sistema democrático
está sendo desmantelado pelas próprias potências ocidentais, que se alinham com
os regimes autoritários e corruptos, minando os processos eleitorais, em troca
dos interesses económicos, como recompensa.
Na verdade, a geopolítica mundial assenta nos interesses económicos que definem
a política externa dos países industrializados. Naturalmente, isso promove o
autoritarismo no continente africano, em detrimento da transformação
democrática. Além disso, a Europa e os EUA enfrentam o ressurgimento da
Extrema-Direita que aproxima a ideologia dos membros dos BRICS, sob a liderança
da China.
Em síntese, África Subsaariana está dividida entre os países que estão alinhar-se com os BRICS e aqueles que estão do lado dos Estados Unidos. A África está na mesma condição como a da década 60 durante o surgimento do Movimento Não Alinhado. O nosso Continente não ainda aprendeu com o seu passado histórico.
Pelo contrário, a África continua a insistir nos mesmos preconceitos da boa-fé, da ingenuidade e da utopia. Sem encarar o mundo realisticamente e buscar os conhecimentos avançados que possam impulsionar a industrialização e a modernização das economias africanas. Acho que, somente com o domínio tecnológico seja possível alcançar o bem-estar social de um povo. Como diz, o melhor aliado de sempre é o povo da sua Nação, que justifica a existência do Estado e a razão da existência do poder político.
No caso específico de Angola, a China está fortemente implantada na economia
angolana. Ao passo que, tirando as empresas petrolíferas, os investimentos
norte- americanos em Angola são diminutos. Só que existe uma política
disfarçada do Presidente João Lourenço de alinhamento com os Estados Unidos da
América em detrimento dos interesses da China. Enquanto, na prática, a sua
política interna aproxima-se ao modelo político chinês, de partido estado e da
centralização dos poderes. Isso contrária diametralmente aos valores
democráticos, defendidos pelos EUA, que assenta no pluralismo e nos mecanismos
de contrapoderes e de checks and balances.
Analisando bem a conjuntura atual, os objetivos
estratégicos dos EUA em Angola assentam em dois parâmetros: (a) o Corredor do
Lobito que visa essencialmente o escoamento de recursos minerais da RDC aos
mercados ocidentais; (b) o fator chinês e a sua expansão económica na África
Subsaariana. Ao passo que, os objetivos do Presidente João Lourenço assentam em
três pressupostos: utilizar a influência norte- americana para consolidar o
partido estado; manter-se no poder; e estancar o processo democrático em
Angola.
Logo, o que une as duas estratégias são os interesses económicos, a manutenção
do poder, e a afirmação da supremacia mundial. Só que existe algumas
incongruências entre as duas estratégias que consistem em dois aspetos
fundamentais: Não é realista pensar na viabilidade de afastar a China do
mercado angolano e da África Subsaariana. Por outro, não será tão fácil
estancar a revolução democrática em Angolano, sobretudo nesta face em que o
partido no poder está de rastos.
Em relação ao advento da ordem multipolar. Ela é uma realidade inequívoca.
Somente ela não será tão equilibrada como muita gente acham. Há um conjunto de
fatores que mostram que, de uma forma ou de outra, o mundo está na fase de transição
para uma nova ordem mundial, cujas características são evidentes.
Vejamos, o império americano está em declínio; o ocidente perdeu a sua credibilidade e os seus valores democráticos; prevalece no mundo a lei do mais forte; o direito internacional está em ruína; o império chinês está em ascensão; os BRICS estão em pleno crescimento; o sistema econômico, financeiro e monetário constitui o foco de discórdia entre os dois blocos distintos. Logo, este quadro revela nitidamente o retorno à guerra fria do que ao multilateralismo.
Estranhamente, a África continua na mesma: desnorteada, atrasada, pobre,
subdesenvolvida, dividida, dependente, subordinada e sem o domínio tecnológico.
Este é o cenário internacional caracterizado por incerteza, medo, violência,
genocídio, injustiça, fome, pobreza e opulência. O mundo está na encruzilhada!!
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