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Os Caminhos Cruzados da África - Carlos Kandanda

Nesta reflexão, dos caminhos cruzados da África, gostaria apenas de abordar dois aspetos fundamentais, que fazem parte do contexto da geopolítica mundial. Mas que estão intrinsecamente ligados ao Continente Africano. Como é do conhecimento geral, este Continente Berço viveu momentos dramáticos e passou por diversas etapas catastróficas da escravatura, do tráfico negreiro, das guerras de conquistas e da ocupação, da colonização, da opressão, da alienação cultural, da discriminação racial, da exploração da mão-de-obra barata, da pobreza extrema e da fome. Pouco modificou neste quadro panorâmico.

O primeiro aspecto: Em todas as etapas históricas de mudanças e de viragens o Continente Africano foi instrumentalizado e apanhado na encruzilhada sem saber o caminho certo do seu destino. Vejamos, nos momentos cruciais da transformação humana África foi sempre vítima dos interesses de outros povos e foi forçada a cumprir as agendas alheias ocultas. Servindo-se de instrumento, e sendo, ao mesmo tempo, a fonte principal de enriquecimento das outras Nações do Mundo.

Nesta senda, foi assim durante a evangelização; foi assim na escravatura; foi assim no tráfico negreiro; foi assim nas guerras de conquistas e de ocupação; foi assim na partilha da África; foi assim na colonização, na exploração e na pilhagem das suas riquezas; foi assim na descolonização; e foi assim na guerra fria.

O Movimento Não Alinhado, da década 60, foi um instrumento político das potências asiáticas que preconizavam afastar os países asiáticos, africanos e latino-americanos do imperialismo norte-americano, que exercia a hegemonia política, militar, económica, tecnológica e científica. No fundo, como sabemos, o Movimento Não Alinhado acabou por desmembrar-se em duas partes, cada uma alinhada com a União Soviética ou com os Estados Unidos da América. O que quer dizer que, o Movimento Não Alinhado fracassou nos seus propósitos e na sua visão estratégica. Rendeu-se finalmente ao capitalismo ocidental e aos valores democráticos.

O segundo aspecto: Durante este longo percurso (acima referido) da transformação humana os povos africanos do Sul de Sahara, embora fossem vítimas da opressão e exploração, eles foram incapazes de tirar lições dos factos históricos para definir o seu próprio caminho, capaz de conduzi-los ao desenvolvimento económico, tecnológico e científico. Infelizmente, os Povos Africanos continuam (até hoje) atolados no pântano do obscurantismo, do atraso e da dependência económica e tecnológica.

Portanto, nesta nova etapa do advento da Ordem Multipolar, o Continente Africano ainda não tem o seu próprio caminho. Ele está novamente atrelado pelas potências asiáticas e pelas potências ocidentais. Estando na condição neocolonial, em que a opressão e a exploração não estão praticadas apenas pelas potências estrangeiras, mas sim, pela classe política africana, em detrimento dos seus próprios povos. Paradoxalmente, o neocolonialismo passa a ser pior que o colonialismo europeu.

Gostaria de sublinhar que, a Ordem Multipolar está a surgir num contexto muito diferente do período em que se despontou o Movimento Não Alinhado, na década sessenta. Naquela época, a União Soviética, a China e a Índia tinham economias agrárias, com tecnologias rudimentares. Enquanto, na época atual, existe economias emergentes com tecnologias muito avançadas.

Em certos casos, como da China, ela suplantou as potências europeias e está em plena competição com os Estados Unidos da América. A Rússia tornou-se um gigante militar, com armas nucleares de destruição massiva. Se olhar bem ao cenário mundial, notarás alguns sinais de equilíbrio no mercado internacional, embora sejam ténues. Nesta referência, a Europa já está muito preocupada com a capacidade produtiva e tecnológica da China. Ela tem o domínio sobre o mercado internacional, inclusive na Europa e nos EUA.

Isso tem estado a obrigar os EUA a adoptar as políticas protecionistas e a tomada de medidas apressadas para conquistar espaços vitais em África, com propósito de estancar a expansão económica chinesa na África Subsaariana. Angola, por exemplo, faz parte dos alvos estratégicos em África, ao longo do oceano atlântico, sobretudo na região do Golfo da Guiné. Este vasto espaço territorial está cheio do petróleo e do gás. O interior do Continente está abençoado de abundantes recursos minerais críticos. O Corredor do Lobito liga o Atlântico ao Oceano Índico atravessando esta região rica em minerais estratégicos. Isso coloca Angola na posição vantajosa na estratégia geopolítica dos EUA, da China e da Rússia.

Neste momento, com a guerra do Médio Oriente, o EUA enfrenta grandes desafios de insegurança marítima no mediterrâneo, no oceano índico e no oceano pacífico. Os BRICS estão em expansão nestas regiões, olhando para a África do Sul que ocupa um espaço estratégico na confluência entre o oceano atlântico e oceano índico.

Além disso, temos os países membros dos BRICS tais como: Egito, Etiópia, Arábia Saudita, Irão, Índia, China e Brasil que ocupam posições estratégicas nas vias marítimas do mediterrâneo, do oceano atlântico, do oceano índico e do oceano pacífico. Portanto, o EUA olha para Angola como um ponto estratégico de grande referência ao longo do oceano atlântico para assegurar o Corredor do Lobito para o escoamento dos recursos minerais aos mercados ocidentais.

No ponto de vista geopolítico, os BRICS PLUS estão igualmente bem posicionados ao longo do Rio Nilo, cuja bacia hidrográfica abrange dez (10) países africanos, nomeadamente: Egito, Sudão, Sudão do Sul, Etiópia, Uganda, Ruanda, Burundi, Quênia, Tanzânia e RDC. Este contexto geopolítico tem implicações muito grande sobre o posicionamento estratégico dos EUA face à implantação da China e da Rússia na África Subsaariana.

Na minha análise pessoal, o equilíbrio que surgirá da Ordem Multipolar, que está a ser desenhada pelos BRICS não libertará o Continente Africano da dependência económica e da condição de inferioridade. Pois que, a África ainda não está devidamente industrializada, não existe infraestruturas transcontinental e não domina as tecnologias avançadas para que ela possa elevar o seu status quo, conquistar uma posição cimeira dentro dos mecanismos multilaterais da Ordem Multipolar, que será dominada pela China (BRICS) e pelos EUA (G-7).

Em função disso, os minérios africanos (críticos) não servirão os interesses estratégicos do Continente Africano. Pelo contrário, isso vai potenciar as tecnologias de ponta dos países industrializados, alargando assim o fosso entre África e outros Continentes. Realisticamente, a África será mantida na condição subalterna para desempenhar o seu papel histórico de ser um instrumento e uma forte de matérias primas para o avanço económico, científico e tecnológico das potências industrializadas.

Não acredito que seja do interesse dos países industrializados potenciar a industrialização e a modernização da África Subsaariana, sobretudo nas condições atuais da disputa pelos recursos minerais africanos. A não ser que nós próprios africanos encontremos as formas mais inteligentes e subtis de buscar as tecnologias avançadas conforme fizeram os povos asiáticos e árabes. Eu tenho insistindo nesta questão. Porque nas relações internacionais os Estados são hipoteticamente iguais e ninguém faz de graça ao outro Estado sem recompensa e sem acautelar os seus interesses estratégicos.

Por outro lado, a Ordem Democrática, defendida pelo Ocidente, está fortemente ameaçada. Porque, os interesses económicos dos países ocidentais têm prevalência sobre os valores e princípios democráticos. O sistema democrático está sendo desmantelado pelas próprias potências ocidentais, que se alinham com os regimes autoritários e corruptos, minando os processos eleitorais, em troca dos interesses económicos, como recompensa.

Na verdade, a geopolítica mundial assenta nos interesses económicos que definem a política externa dos países industrializados. Naturalmente, isso promove o autoritarismo no continente africano, em detrimento da transformação democrática. Além disso, a Europa e os EUA enfrentam o ressurgimento da Extrema-Direita que aproxima a ideologia dos membros dos BRICS, sob a liderança da China.

Em síntese, África Subsaariana está dividida entre os países que estão alinhar-se com os BRICS e aqueles que estão do lado dos Estados Unidos. A África está na mesma condição como a da década 60 durante o surgimento do Movimento Não Alinhado. O nosso Continente não ainda aprendeu com o seu passado histórico.

Pelo contrário, a África continua a insistir nos mesmos preconceitos da boa-fé, da ingenuidade e da utopia. Sem encarar o mundo realisticamente e buscar os conhecimentos avançados que possam impulsionar a industrialização e a modernização das economias africanas. Acho que, somente com o domínio tecnológico seja possível alcançar o bem-estar social de um povo. Como diz, o melhor aliado de sempre é o povo da sua Nação, que justifica a existência do Estado e a razão da existência do poder político.

No caso específico de Angola, a China está fortemente implantada na economia angolana. Ao passo que, tirando as empresas petrolíferas, os investimentos norte- americanos em Angola são diminutos. Só que existe uma política disfarçada do Presidente João Lourenço de alinhamento com os Estados Unidos da América em detrimento dos interesses da China. Enquanto, na prática, a sua política interna aproxima-se ao modelo político chinês, de partido estado e da centralização dos poderes. Isso contrária diametralmente aos valores democráticos, defendidos pelos EUA, que assenta no pluralismo e nos mecanismos de contrapoderes e de checks and balances.

Analisando bem a conjuntura atual, os objetivos estratégicos dos EUA em Angola assentam em dois parâmetros: (a) o Corredor do Lobito que visa essencialmente o escoamento de recursos minerais da RDC aos mercados ocidentais; (b) o fator chinês e a sua expansão económica na África Subsaariana. Ao passo que, os objetivos do Presidente João Lourenço assentam em três pressupostos: utilizar a influência norte- americana para consolidar o partido estado; manter-se no poder; e estancar o processo democrático em Angola.

Logo, o que une as duas estratégias são os interesses económicos, a manutenção do poder, e a afirmação da supremacia mundial. Só que existe algumas incongruências entre as duas estratégias que consistem em dois aspetos fundamentais: Não é realista pensar na viabilidade de afastar a China do mercado angolano e da África Subsaariana. Por outro, não será tão fácil estancar a revolução democrática em Angolano, sobretudo nesta face em que o partido no poder está de rastos.

Em relação ao advento da ordem multipolar. Ela é uma realidade inequívoca. Somente ela não será tão equilibrada como muita gente acham. Há um conjunto de fatores que mostram que, de uma forma ou de outra, o mundo está na fase de transição para uma nova ordem mundial, cujas características são evidentes.

Vejamos, o império americano está em declínio; o ocidente perdeu a sua credibilidade e os seus valores democráticos; prevalece no mundo a lei do mais forte; o direito internacional está em ruína; o império chinês está em ascensão; os BRICS estão em pleno crescimento; o sistema econômico, financeiro e monetário constitui o foco de discórdia entre os dois blocos distintos. Logo, este quadro revela nitidamente o retorno à guerra fria do que ao multilateralismo.

Estranhamente, a África continua na mesma: desnorteada, atrasada, pobre, subdesenvolvida, dividida, dependente, subordinada e sem o domínio tecnológico. Este é o cenário internacional caracterizado por incerteza, medo, violência, genocídio, injustiça, fome, pobreza e opulência. O mundo está na encruzilhada!!

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