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Milonga fechou edição da vida - Jorge Eurico

O canto é um ritual de luto em algumas culturas. Vou cantar uma milonga para a Silvia cuja alma “adormeceu” inesperadamente. A filha do tio Kalogi partiu sem nada dizer. Vou entoar uma balada de dor e nostalgia para evocar a sua memória.

O Bairro Popular está de luto. O Jornalismo angolano está de nojo. Morreu a jornalista e autora Sílvia Milonga vítima de doença na capital angolana. Vou cantarolar uma milonga como símbolo de amizade e respeito. É minha humilde elegia à vida e à morte da jornalista Sílvia Milonga versada em assuntos culturais. Uma profissional que não olhava para o relógio quando a conversa fosse dar voz e visibilidade aos fazedores de cultura. Aos seus feitos.

Foi com a Sílvia Milonga que comecei a frequentar as tertúlias culturais de Luanda. Foi ela quem me apresentou ao Tirso Amaral. Ao Viteix. Ao Van. Ao Pambo Kidy e muitos outros artistas. Foi pela mão dela que conheci o Cenarious. Foi ela quem me apresentou à Isabel Batista (Belinha), dona e barona daquele ex-libris de sociabilidade cultural noturna por excelência. Foi ela quem me levou ao Elinga Teatro pela primeira vez. Foi por sua obra e graça que ganhei uma bolsa para a frequência de um curso de francês na Alliance Française. O Sebastião Lino também. Era Bernard Sex o representante da Alliance Française em Luanda. A Sílvia Milonga era uma camarada!

Foi também por “culpa” da Sílvia Milonga que comecei a escrever para a Secção Cultura do Jornal de Angola. Ela apresentou-me ao então editor, Manuel Correia. Nela pontificavam António Bequengue, Alberto Pegado, Eugénia Silva e António Bravo. O meu primeiro texto na página Cultural do Jornal de Angola era sobre uma exposição do Lino Damião, o 25. Tornamo-nos amigos. Nunca mais nos largamos. Depois apresentou-me ao Carlos Lousada, de quem me tornei amigo. Andava comigo pela cidade naquela que (acho) era a maior moto de Luanda na altura. A Sílvia Milonga era uma líder!

À Sílvia Milonga devo muito. Desde à amizade ao “network” que fui tendo nos primeiros anos de profissão. E tudo começou no início da década de noventa no “Departamento de Realização” da Rádio Nacional de Angola. Era bambino. Sequer tinha dezoito anos. Nem tinha ainda fiapos no rosto. Foi lá onde a abordei, manifestando o meu interesse de escrever também para o Jornal de Angola. Sempre me tratou com amizade e respeito. A relação com a malograda era de irmandade: Ela mais velha e eu mais novo. Ela sugeria, eu acatava. Ela mandava, eu obedecia! Tudo em nome do respeito, consideração e amizade.

Ainda lembro da sua tumultuada proscrição da RNA por causa da birra de Agostinho Vieira Lopes, director-geral da estação “Número Um”. Vieira Lopes tinha cismado que a Sílvia Milonga tinha sido a autora de uma pequena peça em que se dava conta de que as coisas iam mal na RNA. Correu com ela. De forma ilegal e abusiva. Depois abalou para Portugal onde viveu e trabalhou aproximadamente três décadas com vindas regulares a Luanda.

A semana passada alguém tirou a jornalista Amélia de Aguiar do grupo. Eram cinco da manhã quando a Sílvia Milonga ligou para mim a interceder pela colega: “Jorgito, a Amélia (de Aguiar) disse que foi retirada do grupo. O que se passou”? Respondi que não sabia. Ela indagou: “Podes voltar a adicioná-la?”. Respondi: “Agora!” E agora recebo a notícia segundo a qual Sílvia Milonga fechou a edição da sua vida na terra. Vai fazer muita falta à malta! Adeus, Sílvia! Vou cantar uma milonga em tua memória. Uma balada à nossa amizade que tinha um pouco mais de três décadas.

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