O discurso recente de João Lourenço na 19.ª Cúpula do G20, no Rio de Janeiro, Brasil, trouxe à tona uma narrativa cuidadosamente elaborada sobre o combate à fome e à pobreza. Com uma postura aparentemente progressista, o Presidente angolano destacou a importância da agricultura sustentável, políticas estruturais e a erradicação da fome como uma prioridade global.
No entanto, estas declarações entram em profundo contraste com as suas
palavras e acções, evidenciando uma contradição preocupante no que toca à
seriedade com que aborda este flagelo em Angola.
Esta afirmação, feita num momento em que milhões de angolanos enfrentam
dificuldades extremas para garantir uma refeição diária, revela a
insensibilidade do Titular do Poder Executivo e do seu governo que nega até um
simples pão seco e uma "cabuenha" aos centenas de pessoas que perecem
de fome em quase todos cantos de Angola.
Importa realçar que o Presidente ironizou a palavra "fome",
tratando-a como uma ferramenta de retórica política utilizada pelos seus
adversários políticos, o povo sofre. E hoje, os contentores de lixo virou
supermercados ou mesmo o refeitório de milhares de angolanos famintos,
sobretudo em Luanda.
A incapacidade de reconhecer a gravidade do problema – que vai além da
"falta de poder de compra" mencionada por ele – coloca em causa a sua
empatia e compromisso real com aqueles que mais necessitam.
Na sua intervenção no G20, João Lourenço destacou iniciativas como o
programa Kwenda, comparando-o ao "Bolsa Família" do Brasil, como
exemplo do que o governo angolano tem feito para mitigar a pobreza. Porém, a
realidade mostra que tais iniciativas, embora bem-intencionadas, são
insuficientes para atacar as raízes da fome no país.
O programa Kwenda é uma solução paliativa, que apenas distribui recursos
mínimos - que nem chega para comprar todos os produtos que constituem a cesta
básica - para populações em situação de vulnerabilidade extrema.
Em contraste, o próprio Presidente enaltece o investimento na agricultura
como a chave para alcançar segurança alimentar. Mas, se o potencial agrícola de
Angola é tão vasto, como afirma João Lourenço, porque razão o país continua a
depender fortemente da importação de bens alimentares?
A disparidade entre o discurso e a acção torna-se evidente quando, ao invés
de estruturar políticas que garantam a autonomia alimentar, as populações são
deixadas à mercê de programas assistenciais politizadas pelo seu governo (e o
seu partido MPLA) que pouco mudam a sua realidade.
Outro ponto de crítica reside no facto de João Lourenço utilizar cenários
internacionais para enaltecer supostos esforços do governo angolano, que
ninguém vê, enquanto internamente nega a gravidade da crise.
Ao afirmar que a fome não é exclusiva dos países em desenvolvimento, tenta
diluir a responsabilidade do seu governo, evitando um olhar introspectivo sobre
o que realmente tem sido feito – ou deixado por fazer – para combater o
problema.
A retórica de João Lourenço, que procura alinhar-se com metas globais como
a Agenda 2030 da ONU e a Agenda 2063 da União Africana, esbarra na falta de
políticas concretas e resultados visíveis em Angola.
O discurso de sustentabilidade e investimentos estratégicos não se reflecte
na vida quotidiana das populações que ainda enfrentam insegurança alimentar,
desemprego em massa e pobreza extrema.
O combate à fome não pode ser tratado como um jogo político ou uma questão
de retórica. Requer sensibilidade, como o próprio Presidente afirmou no G20,
mas, acima de tudo, requer acção consistente e compromisso genuíno.
João Lourenço não pode continuar a descrever um quadro idealista de Angola
em palcos internacionais enquanto, no terreno, as iniciativas são
insuficientes, a agricultura carece de investimentos reais e milhões de
angolanos sobrevivem sem o básico.
A fome, senhor Presidente, não é relativa. É real, palpável e urgente.
Enquanto não houver coerência entre o discurso e a prática, as palavras sobre
"potencial agrícola" e "futuro promissor" não passarão de
promessas vazias.
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