Ao longo desse período, JES teve tempo para tudo: afastar concorrentes internos, fazer aliados e lealdades, promover uma nova geração de dirigentes e iniciar o processo de democracia interna, com a inclusão nos estatutos das múltiplas candidaturas. O argumento da candidatura única, como garante da coesão interna, na verdade vingou mais pelo facto de ela ter sido defendida por JES não só como uma fase da transição pós 37 anos de liderança, mas também porque possuía capital político e influência para o fazer.
Há muito que os líderes do MPLA deveriam ter consciência de que existe da
parte dos eleitores uma demanda para que os maiores partidos angolanos sejam
também instituições exemplares em termos de democracia interna. Para lá da
vontade dos seus militantes, os eleitores em geral querem um MPLA de diálogo,
democrático e moderno. A consagração das múltiplas candidaturas nos estatutos
do MPLA representou, por isso, uma resposta a essa expectativa dos eleitores,
que está por se cumprir efectivamente.
Oito anos depois, o exercício de democracia interna no MPLA continua a ser
o principal desafio das lutas internas. Aparentemente, existem os que continuam
a defender a coesão interna por via de uma candidatura única que dê
continuidade às políticas e às reformas em curso, mas existem outros que
entendem que a coesão interna se consegue por via de uma ampla reconciliação
nacional interna através de múltiplas candidaturas que propiciem um debate
franco e democrático entre camaradas.
Aparentemente, existem duas grandes correntes de opinião. A primeira
defende que a coesão interna é assegurada da melhor forma com uma candidatura
única, do tipo escolha do sucessor, como se permitiu a JES fazer. A segunda
entende que a mesma coesão interna deve ser garantida através de eleições
democráticas, nas quais os militantes são chamados a escolher o seu líder e o
respectivo programa político.
Ao contrário do que se pretendia, a reunião dos CAP acabou por precipitar,
de modo informal, a luta pela sucessão do líder, quando o Presidente João
Lourenço ainda tem dois anos pela frente. Agora, colocado o problema às bases,
os pré-candidatos terão de demonstrar uma capacidade de luta digna de um
presidente do partido, com a elaboração de estratégias, foco, paciência e
sentido de oportunidade, para que as múltiplas candidaturas sejam
irreversíveis.
A reunião dos CAP acabou também por trazer de volta os mais velhos. O
silêncio dos "senadores” do MPLA perante os excessos dos últimos anos da
governação de JES deixaram-nos muito mal vistos na sociedade. A grande maioria
dos chamados mais velhos participou activamente em processos de nepotismo,
corrupção e endeusamento de JES e a determinada altura deixou de ouvir o clamar
do povo que diziam representar. Ao também ficarem calados na era João Lourenço no
período do isolamento e críticas a JES, os mais velhos viram reduzido o seu
papel de reservas morais do partido no poder. As críticas feitas aos mais
velhos por quererem que se cumpram os estatutos e que se aprofunde a democracia
interna, acabam na verdade por "ressuscitar” o seu papel de autoridades
morais, ex-dirigentes com um passado de grande respeito e serviços prestados
que lhes dão o direito de serem ouvidos. Parece que os mais velhos voltaram a
ter capacidade de ouvir as queixas e as dores dos cidadãos eleitores, que
querem o MPLA de maior diálogo e mais democrático e uma governação económica
menos dura.
Se alguns mais velhos faziam pronunciamentos esporádicos sobre a sua
discordância da estratégia de liderança, a reunião dos CAP revelou-se como uma
boa oportunidade de se redimirem e não continuarem a ser vistos como os
históricos que não tiveram coragem de criticar os excessos da governação.
Por outro lado, esta realidade demonstra que o silêncio do passado teve
mais que ver com a figura tutelar de JES e que hoje, em nome da sua reputação e
percurso histórico, muitos dos chamados mais velhos vão querer que a sua
opinião seja ouvida.
Ao contrário do que se previa, o clima interno não acalmou. Ou o MPLA
encontra rapidamente um entendimento para o seu processo de democracia interna,
ou o espaço público será cada vez mais dominado pelo tema da democracia
interna, em detrimento até das responsabilidades governativas, que deveriam ser
a prioridade e que garantem os votos dos eleitores.
Não há dúvidas, vão ser meses de intensas movimentações políticas dentro do
maior partido do país.
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