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Pelos caminhos da exclusão - Graça Campos

A nota verbal através da qual a embaixada de Angola em Portugal deu a conhecer as razões do seu distanciamento do acto comemorativo do Dia de África, realizado numa unidade hoteleira lisboeta no pretérito dia 29 de Maio, refere-se à angolaníssima Luzia Moniz, uma “monabata” (originária de Catete, (portanto, conterrânea de Agostinho Neto), como cidadã luso-angolana.

Tratando-se de um comunicado oficial, temos de convir que, a partir de agora, o Governo do MPLA institucionalizou a prática de identificar os angolanos não apenas pela sua nacionalidade originária, mas também pela adquirida, quando a tenham.

Em homenagem à justiça e à coerência, impõe-se que todos os angolanos na situação de Luzia Moniz - e não são poucos! - sejam, doravante, tratados como tal.

Assim sendo, como diria o falecido Bel do Samba, temos que o discurso oficial passará a referir-se à primeira-dama da República de Angola como cidadã luso-angolana Ana Dias Lourenço; à presidente do Tribunal Constitucional como cidadã luso-angolana Laurinda Cardoso; ao ministro da Energia e Águas como cidadão luso-angolano João Baptista Borges; ao ministro dos Transportes como cidadão luso-angolano Ricardo D’ Abreu e por aí adiante.

É uma questão de isonomia, protegida pela Constituição da República de Angola.

Donde, também não virá mal nenhum a referência a alguns netos do Presidente João Lourenço como cidadãos ou cidadãs americano-angolanos.

Em 2022, quando falanges do MPLA insistiram pateticamente em qualificar o presidente da UNITA como luso-angolano pensou-se (e agora tem de se reconhecer que foi um erro) que se tratou apenas de um expediente para salvar uma campanha eleitoral que ia francamente mal encaminhada.

Agora vem a embaixada de Angola em Portugal, sob a superior orientação da Capital – que, ao que parece, passa a ser a designação do Presidente da República nas lides diplomáticas - dizer-nos que angolanos com dupla nacionalidade passam a ser oficialmente tratados como tal.

O “upgrade” no léxico diplomático vai, obviamente, implicar a reformulação de documentos de identificação como passaporte, bilhete de identidade, carta de condução e outros onde conste a nacionalidade dos seus titulares.

A referência à dupla nacionalidade de Luzia Moniz não foi inocente. Com ela, a embaixada de Angola em Portugal, sob superior “orientação da Capital” pretendeu transmitir a todas as Missões Diplomáticas africanas acreditadas em Portugal que Luzia Moniz seria uma meia angolana, não coberta por todos os direitos e deveres que a Constituição da República de Angola reserva a todos os cidadãos. É um acto de encapotada exclusão, uma prática que, no consulado de João Lourenço quase ganhou dignidade constitucional.

Luzia Moniz é mestre de cerimónia do Dia de África em Portugal desde 2017 e não o é por indicação nem da embaixada e nem da “Capital”. Chegou lá pelo próprio pé.

Apartando-se da solenidade que marcou o Dia de África, Angola averbou uma vergonhosa e humilhante derrota no “front” diplomático.

A totalidade das missões africanas em Portugal mostrou que Angola não é o centro do nosso continente.

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