Com a extinção do processo judicial em que se viram envolvidos, Valter Filipe, José Filomeno dos Santos, António Samalia e Jorge Gaudens poderão, finalmente, recuperar os seus documentos de viagem.
A redacção
Por“violação dos princípios da legalidade, do contraditório, do julgamento justo e conforme e do direito à defesa”, o Plenário dos Juízes do Tribunal Constitucional declarou inconstitucional o Acórdão do Tribunal Supremo que condenou Valter Filipe, José Filomeno dos Santos (Zenu), Jorge Gaudens Pontes e António Samalia Bule a várias penas no âmbito do chamado caso envolvendo 500 milhões de dólares que os quatro indivíduos teriam pretensamente desviado dos cofres do Banco Nacional de Angola.
Adecisão do Tribunal Constitucional teve o invulgar resultado de 10 votos a favor e nenhum contra.O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 883/2024, que recaiu sobre o processo n.º 1013-C/2022, põe fim a um longa disputa judicial iniciada a 14 Agosto de 2020, altura em que o Tribunal Supremo condenou, em primeira instância, Valter Filipe, antigo governador do Banco Nacional de Angola, a oito anos de prisão efectiva, José Filomeno dos Santos, antigo presidente do Fundo Soberano de Angola a cinco anos, António Samalia Bule, antigo diretor do Departamento de Gestão de Reservas do BNA, também a cinco anos, e o empresário Jorge Gaudens Sebastião a uma pena de seis anos.
Num Acórdão de 107 páginas, assinado pelos juízes conselheiros João da Cruz Pitra, relatou José Martinho Nunes e João Pedro Kinkani Fuantoni, o Tribunal Supremo julgou e condenou os quatro arguidos pela prática de crimes de peculato, burla por defraudação e tráfico de influências.
Valter Filipe, José Filomeno dos Santos, António Samalia Bule e Jorge Gaudens Pontes foram julgados no que ficou conhecido como “caso 500 milhões”, um processo através do qual a Procuradoria-Geral da República imputou aos arguidos uma conspiração para desviar dinheiro público.
Inconformados os réus recorreram da decisão junto do Plenário do Tribunal Supremo. Em decisão tomada no dia 29 de Outubro de 2021, os Juízes do Tribunal Pleno e de Recurso acordaram em confirmar a decisão recorrida.
A decisão foi tomada, de entre outros, pelos juízes conselheiros Miguel Correia (Relator), Joel Leonardo, Manuel António Dias da Silva e Teresa Marçal (Juízes Adjuntos).
Os juízes conselheiros Joaquina do Nascimento, Anabela Vidinhas e Norberto Capeça votaram contra.
Novamente insatisfeitos, os quatro condenados interpuseram, no Tribunal competente, um recurso extraordinário de inconstitucionalidade alegando, de entre outras razões, que a decisão do Tribunal Supremo feriu de morte inúmeros preceitos legais.
Na quarta-feira, 3 de Abril, e “nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho - Lei do Processo Constitucional” -, os juízes conselheiros Laurinda Cardoso (Presidente), Victória Izata da Silva (Vice-Presidente), Carlos Burity da Silva, Carlos Teixeira, Gilberto Magalhães (Relator), João Carlos Paulino, Josefa Neto, Júlia da Silva Ferreira, Maria de Fátima da Silva e Vitorino Hossi declararam “a inconstitucionalidade do Acórdão recorrido, por violação dos princípios da legalidade, do contraditório, do julgamento justo e conforme e do direito à defesa”.
,Ausente por razões particulares, apenas a juíza conselheira Maria da Conceição de Almeida Sango não apôs a sua assinatura a uma decisão pouco comum no Tribunal Constitucional.
A decisão do Plenário dos Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, que é irrecorrível, constituiu-se num grave revés ao Tribunal Supremo, a porta através da qual o poder político, nomeadamente o Presidente da República, se intromete abertamente no poder judicial.
Em Maio de 2022, o Supremo despronunciou e arquivou o processo em que o general Higino Carneiro ia acusado de vários crimes. O julgamento do antigo ministro das Obras Públicas foi dado como garantido pelo Procurador-Geral da República, Hélder Pitta Gróz.
Em 2019, antes de irem a julgamento, o Tribunal Supremo decidiu levantar todas as medidas de coação que impendiam sobre os quatro envolvidos no chamado caso dos 500 milhões de dólares.
Entreas medidas levantadas constava a devolução dos documentos de viagem. Contudo o Tribunal Supremo nunca executou a sua própria decisão. Em 2022, Zenu dos Santos foi impedido de visitar o pai, que jazia num leito hospitalar em Espanha, porque nem o Tribunal Supremo lhe devolveu o passaporte e nem a Procuradoria-Geral da República comunicou ao Serviço de Migração e Estrangeiros o levantamento da sua interdição de saída do país.
Naquele mesmo ano, comentou-se no Tribunal Supremo que o presidente da corte, Joel Leonardo, condicionava a devolução do passaporte de Zenu à apresentação de um atestado médico do antigo Presidente da República.
Com a extinção do processo judicial em que se viram envolvidos, Valter Filipe, José Filomeno dos Santos, António Samalia e Jorge Gaudens poderão, finalmente, recuperar os seus documentos de viagem.
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